terça-feira, 25 de outubro de 2011


Deixe-me com a minha pornografia, minha arte estranha, meu paraíso pintado de laranja. Deixe-me com minha fé no amor. Guarde esse café enquanto trancafio-me em casa por semanas, tenho recusado a cachaça barata e o sexo apenas pelo sexo. O que busco é o pornô com romance - ou comédia romântica -, e a esperança de envelhecer junto. Ele, eu e um cão de guarda. Lenha jogada na brasa sim, afinal, fogo é elementar meus caros, mas nenhum incêndio salvará suas vidas. Eu busco de aquele menino. E que sigamos de mãos dadas até o próximo fim do mundo, juro que não te largo. Se quiser, confie no horoscopo, nos astros, no seu extrato bancário ou na minha poesia de semana passada. Jogue búzios para confirmar aquilo que há anos te digo. Mas por favor, não chegue atrasado. Há uma luz brotando em alguma escuridão e talvez eu pegue carona e aí então, outro desencontro! Mas olha, vamos marcar nesse ponto. Aqui, início de todos os nossos planos. Continuo sonhando aqueles mesmos sonhos. Talvez eu cante na rádio, talvez a gente se case, talvez não. Mas o amor, essa coisa que brotou de repente e foi regada por tantos anos, nesse eu ponho todas as certezas possíveis. O caminho é longo, a estrada escura, a doçura tem que ser muita e o carinho impublicável. E no amargo a gente taca açúcar até virar melado. E então a gente brinca, se lambuza todo, engole pouco pra não enjoar muito e inventa novas canções de ninar...

Adaptação

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Eu


Eu, sou só
E sou eu mesma.
O que pensam e dizem os outros
A mim não importa, tenho a minha lei
Que outros a multidão covardemente sigam
Pelo lado oposto, altiva, sozinha seguirei.
Que sem brio ou vergonha, outros tudo consigam
E zombem de mim porque nada alcancei
Pois quanto mais com ódio o meu nome persigam
Mais orgulhosa em trazê-lo, serei.
Das pedradas, não fujo
Às críticas aceito
Porém, minha espinha não curvo
Em favor de nenhum proveito.
Sigo tranqüila e serena, minha incessante busca pela paz
Fiel a mim mesma minha fé nunca traio
Mas, se um dia fatal eu for ferida por um raio
E tombar minha bandeira,
Tombarei junto com ela !

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Vocabulário feminino





Se eu tivesse que escolher uma palavra
- apenas uma -
para ser item obrigatório no vocabulário da mulher de hoje,
essa palavra seria um verbo de quatro sílabas:
descomplicar.
Depois de infinitas (e imensas) conquistas,
acho que está passando da hora de aprendermos
a viver com mais leveza:
exigir menos dos outros e de nós próprias,
cobrar menos, reclamar menos, carregar menos culpa,
olhar menos para o espelho.

Descomplicar talvez seja o atalho mais seguro para chegarmos à tão
falada qualidade de vida que queremos - e merecemos - ter.

Mas há outras palavras que não podem faltar no kit existencial
da mulher moderna.
Amizade, por exemplo.
Acostumadas a concentrar nossos
sentimentos (e nossa energia...) nas relações amorosas,
acabamos deixando as amigas em segundo plano.

E nada, mas nada mesmo, faz tão bem para uma mulher
quanto a convivência com as amigas.
Ir ao cinema com elas
(que gostam dos mesmos filmes que a gente),
sair sem ter hora para voltar,
compartilhar uma caipivodca de morango
e repetir as histórias que já nos contamos mil vezes
- isso, sim, faz bem para a pele.

Para a alma, então, nem se fala.

Ao menos uma vez por mês, deixe o marido ou o namorado em casa, prometa-se que não vai ligar para ele nem uma vez
(desligue o celular, se for preciso)
e desfrute os prazeres que só uma
boa amizade consegue proporcionar.

E, já que falamos em desligar o celular, incorpore ao seu vocabulário
duas palavras que têm estado ausentes do cotidiano feminino:
pausa e silêncio.

Aprenda a parar, nem que seja por cinco minutos,
três vezes por semana, duas vezes por mês, ou uma vez por dia
- não importa -
e a ficar em silêncio.

Essas pausas silenciosas nos permitem refletir,
contar até 100 antes de uma decisão importante,
entender melhor os próprios sentimentos,
reencontrar a serenidade e o equilíbrio quando é preciso.

Também abra espaço, no vocabulário e no cotidiano, para o verbo rir.
Não há creme anti-idade nem botox que salve a expressão
de uma mulher mal-humorada.
Azedume e amargura são palavras que devem ser banidas
do nosso dia a dia.
Se for preciso, pegue uma comédia na locadora,
preste atenção na conversa de duas crianças,
marque um encontro com aquela amiga engraçada
- faça qualquer coisa, mas ria.
O riso nos salva de nós mesmas,
cura nossas angústias e nos reconcilia com a vida.

Quanto à palavra dieta, cuidado:
mulheres que falam em regime o tempo
todo costumam ser péssimas companhias.

Deixe para discutir carboidratos
e afins no banheiro feminino ou no consultório do endocrinologista.
Nas mesas de restaurantes, nem pensar.

Se for para ficar contando calorias,
descrevendo a própria culpa e olhando para a sobremesa
do companheiro de mesa com reprovação e inveja,
melhor ficar em casa e desfrutar sua salada de alface
e seu chá verde sozinha.

Uma sugestão?
Tente trocar a obsessão pela dieta por outra palavra que,
essa sim, deveria guiar nossos atos 24 horas por dia:
gentileza.

Ter classe não é usar roupas de grife:
é ser delicada.
Saber se comportar
é infinitamente mais importante do que saber se vestir.

Resgate aquele velho exercício que anda esquecido:
aprenda a se colocar no lugar do outro,
e trate-o como você gostaria de ser tratada,
seja no trânsito, na fila do banco,
na empresa onde trabalha, em casa, no supermercado,
na academia.

E, para encerrar, não deixe de conjugar dois verbos que deveriam ser
indissociáveis da vida:
sonhar e recomeçar.

Sonhe com aquela viagem ao exterior, aquele fim de semana na praia,
o curso que você ainda vai fazer, a promoção que vai conquistar um dia, aquele homem que um dia (quem sabe?)
ainda vai ser seu, sonhe que está beijando o Richard Gere...
sonhar é quase fazer acontecer.
Sonhe até que aconteça.

E recomece, sempre que for preciso:
seja na carreira, na vida amorosa, nos relacionamentos familiares.
A vida nos dá um espaço de manobra:
use-o para reinventar a si mesma.

E, por último
(agora, sim, encerrando),
risque do seu Aurélio a palavra perfeição.

O dicionário das mulheres interessantes inclui fragilidades,
inseguranças, limites.

Pare de brigar com você mesma para ser a mãe perfeita,
a dona de casa impecável, a profissional que sabe tudo,
a esposa nota mil.

Acima de tudo, elimine de sua vida o desgaste que é tentar ter coxas sem celulite, rosto sem rugas, cabelos que não arrepiam,
bumbum que encara qualquer biquíni.
Mulheres reais são mulheres imperfeitas.
E mulheres que se aceitam como imperfeitas são mulheres livres.
Viver não é
(e nunca foi)
fácil, mas, quando se elimina o excesso de peso da bagagem
(e a busca da perfeição pesa toneladas),
a tão sonhada felicidade fica muito mais possível.

Leila Ferreira

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Vida



Quando se ve sao seis horas
Quando se ve, já é sexta-feira
Quando se ve, já terminou o ano
Quando se ve, passaram-se 50 anos.

Agora, é tarde demais para ser reprovado
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade
eu nem olhava o relogio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho,
a casca dourada e inutil das horas
Dessa forma eu digo:

Nao deixe de fazer algo que gosta devido a falta
de tempo, a unica falta que terá, será desse tempo
que infelizmente nao voltará mais.

Mário Quintana

domingo, 24 de julho de 2011

Os casais que caminham de mãos dadas.




Moacyr Scliar

"Dar a mão a alguém significa ajudar esta pessoa; é a expressão de um amparo que pode ser prático, mas é emocional também.

Médico de saúde pública, costumo fazer aquilo que recomendo a outras pessoas: todos os dias me exercito, seja na ACM em Porto Alegre, seja no fitness room de hotéis (quase todos agora oferecem esta facilidade), seja simplesmente caminhando por ruas e parques, o que apresenta a vantagem adicional de conhecer lugares e observar pessoas. E, observando, nunca deixo de reparar nos casais que caminham de mãos dadas.

Um hábito que chama a atenção, porque estas pessoas renunciam ao movimento dos braços que em geral é parte da marcha - mas o fazem por boas razões, como já veremos. Mas primeiro é preciso dizer que, em outros países, sobretudo no sul da Ásia, não só casais andam de mãos dadas; homens também o fazem, é até um sinal de amizade.

Num encontro internacional de saúde pública passei por certo constrangimento quando, ao sairmos do prédio, um colega paquistanês quis caminhar de mãos dadas comigo, o que, para alguém vindo do Rio Grande do Sul, parecia no mínimo estranho.

Aqui, se vemos pessoas de mãos dadas, certamente se trata de casais.

São, em geral, pessoas de meia- idade ou mesmo idosas. Aliás, é mais raro ver casais jovens caminhando juntos, o que é facilmente explicável: é uma fase em que homem e mulher têm compromissos separados, seja em casa, seja no trabalho; compatibilizar horários pode então ser uma coisa complicada. Na fase da aposentadoria, dos filhos crescidos, há mais tempo disponível: marido e mulher podem viajar juntos, podem almoçar juntos e podem caminhar juntos. E, quando o fazem, é freqüentemente de mãos dadas.

Por quê? Por que caminham de mãos dadas, estes casais?

A resposta mais óbvia é a de que assim estão se protegendo mutuamente.

As ruas das cidades brasileiras freqüentemente são esburacadas e, a partir de certa idade, um buraco é mais do que um buraco, é uma armadilha, por causa do risco de quedas.

Os resultados de uma queda podem ser bem desagradáveis: a fratura de colo do fêmur é um espectro da maturidade. Na verdade, o colo do fêmur é nosso calcanhar de Aquiles, é um ponto de menor resistência.

O fêmur é forte, reto, orgulhoso, como a coluna de um templo grego. Mas ele não é parte de um templo grego, é parte de nosso corpo, e assim, de repente, precisa fazer uma inflexão para se encaixar na bacia.

Ora, súbitas inflexões, inesperadas mudanças de rumo têm seu preço; no caso, o colo do fêmur, que é sede de freqüentes fraturas. Por causa dessa possibilidade os casais se apóiam mutuamente.

Este é o lado prático de andar de mãos dadas. Mas há também o lado simbólico.

A mão é o emblema de nossa humanidade.

A mão transformou o troglodita do passado no Homo faber, o homem, e a mulher, que fazem coisas, que confeccionam objetos.

A mão, porém, não é só um instrumento de trabalho, é um veículo de emoções.

Dar a mão a alguém significa ajudar esta pessoa; é a expressão de um amparo que pode ser prático mas é emocional também.

Estou aqui, diz o homem à mulher cuja mão ele segura.

Estou aqui, diz a mulher ao homem cuja mão ela segura.

"Se todas as pessoas do mundo/ quisessem se dar as mãos", como diz o famoso poema do francês Paul Fort, seríamos mais unidos, mais felizes.

Seríamos mais humanos. E poderíamos rir dos muitos buracos que encontramos na vida."

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Desejos e Necessidades





"Os desejos são muitos, as necessidades são poucas.
As necessidades podem ser satisfeitas; os desejos, nunca.

Desejo é uma necessidade que enlouqueceu. É impossível satisfazê-lo. Quanto mais você tentar satisfazê-lo, mais ele pedirá.

Conta uma história sufi que, quando Alexandre morreu e chegou ao paraíso, ele estava carregando todo o seu peso: todo o seu reinado, ouro, diamantes - é claro que não em realidade, mas como uma idéia.

Ele estava demasiadamente oprimido pelo fato de ser Alexandre. O guardião do portal do paraíso começou a rir e perguntou: "Por que você está carregando tanto fardo?"

Alexandre retrucou: "Que fardo?". Então o guardião lhe deu uma balança, em um dos seus pratos colocou um olho e pediu a Alexandre para colocar no outro prato todo o seu peso, sua grandeza, seus tesouros e o reinado.

Mas aquele olho ainda permaneceu mais pesado que todo o reino de Alexandre. O guardião disse: "Esse é um olho humano. Ele representa o desejo humano e não pode ser satisfeito, não importa quão grande seja o seu reino e quão intensos sejam os seus esforços."

Depois, o guardião jogou um pouco de poeira no olho, que imediatamente piscou e perdeu todo o seu peso.

Uma pequena poeira de entendimento precisa ser jogada no olho do desejo. O desejo desaparece e permanece somente a necessidade, que não é pesada. As necessidades são muito poucas e são belas. Os desejos são feios e transformam os seres humanos em monstros; eles criam loucos.

Assim que você começar a aprender a escolher a serenidade, um pequeno quarto será suficiente, uma pequena quantidade de comida será suficiente, poucas roupas serão suficientes, uma pessoa amada será suficiente.

(Osho)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Viver despenteada




Decidi aproveitar a vida com mais intensidade...
O mundo é louco, definitivamente louco...
O que é bom, engorda. O que é lindo, custa caro. O sol que ilumina o teu rosto, enruga. E o que é realmente bom nesta vida, despenteia...



- Fazer amor - despenteia.
- Nadar - despenteia
- Pular - despenteia.
- Tirar a roupa - despenteia.
- Brincar - despenteia.
- Dançar - despenteia.
- Dormir - despenteia.
- Beijar com ardor - despenteia.

É a lei da vida:
Vai estar sempre mais despenteada a mulher que decide andar na montanha russa, que aquela que decide não subir.Por isso, a minha recomendação a todas as mulheres:

Entrega-te, come coisas gostosas, beija, abraça,dança, apaixona-te, relaxa, viaja, salta,dorme tarde, acorda cedo, corre, voa, canta, arranja-te para ficares linda, arranja-te para ficares confortável, admira a paisagem, aproveita, e acima de tudo:
Deixa a vida despentear-te!!!!
O pior que pode acontecer.... é que precises de te pentear de novo.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Seja diferente





Se você tiver dinheiro, especialmente se já estiver aposentado, vá com seu marido, esposa ou amigos para outras cidades ou países, veja outras culturas, visite museus estranhos, deguste pratos esquisitos..... em outras palavras...... V-I-V-A. !!!

Porque se você viver intensamente as diferenças, o tempo vai parecer mais longo.

E se tiver a sorte de ter alguém disposto(a) a viver e buscar coisas diferentes, seu livro será muito mais longo, muito mais interessante e muito mais v-i-v-o... do que a maioria dos livros da vida que existem por aí.

Cerque-se de amigos.

Amigos com gostos diferentes, vindos de lugares diferentes, com religiões diferentes e que gostam de comidas diferentes.

Enfim, acho que você já entendeu o recado, não é?

Boa sorte em suas experiências para expandir seu tempo, com qualidade, emoção, rituais e vida.

E S CR E VA em tAmaNhos diFeRenTes e em CorES di f E rEn tEs !

CRIE, RECORTE, PINTE, RASGUE, MOLHE, DOBRE, PICOTE, INVENTE, REINVENTE.....

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Mulheres Possíveis



'Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. A imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe, filha e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado, decido o cardápio das refeições, cuido dos filhos, marido (se tiver), telefono sempre para minha mãe, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e mails, faço revisões no dentista, mamografia,
caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos e ainda faço as unhas e depilação!
E, entre uma coisa e outra, leio livros.
Portanto, sou ocupada, mas não uma workholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres.
Primeiro: a dizer NÃO.
Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás.
Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero.
Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros.
Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Você não é Nossa Senhora.
Você é, humildemente, uma mulher.
E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo.
Tempo para fazer nada.
Tempo para fazer tudo.
Tempo para dançar sozinha na sala.
Tempo para bisbilhotar uma loja de discos.
Tempo para sumir dois dias com seu amor.
Três dias.
Cinco dias!
Tempo para uma massagem.
Tempo para ver a novela.
Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza.
Tempo para fazer um trabalho voluntário.
Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto.
Tempo para conhecer outras pessoas.
Voltar a estudar.
Para engravidar.
Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado.
Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.
Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.
Existir, a que será que se destina?
Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem.
Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si.
Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo!
Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente. Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela.
Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores.
E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante' .

Martha Medeiros - Jornalista e escritora

Felicidade Clandestina




Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía "As reinações de Narizinho", de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberto, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranqüilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Pareceu que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Clarice Lispector